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domingo, 26 de junho de 2011

Pós-modernismo

Para os leitores do meu blog recomendo um bom livro, um clássico que todos deveriam ler  "O que é pós-moderno", by Jair Ferreira dos Santos de 1987.


Pós-modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades avançadas desde 1950, quando, por convenção, se encerra o modernismo (1900-1950). Ele nasce com a arquitetura e a computação nos anos 50. Toma corpo com a arte Pop nos anos 60. Cresce ao entrar pela filosofia, durante os anos 70, como crítica da cultura ocidental. E amadurece hoje, alastrando-se na moda, no cinema, na música e no cotidiano programado pela tecnociência (ciência + tecnologia invadindo o cotidiano desde alimentos processados até microcomputadores), sem que ninguém saiba se é decadência ou renascimento cultural.

Sua vida se fragmenta desordenadamente em imagens, dígitos, signos - tudo leve e sem substância como um fantasma. 

O fantasma pós-moderno:

1. Para começar, ele invadiu o cotidiano com a tecnologia eletrônica de massa e individual, visando à sua saturação com informações, diversões e serviços. Na Era da Informática, que é o tratamento computadorizado do conhecimento e da informação, lidamos mais com signos do que com coisas. O motor a explosão detonou a revolução moderna há um século; o chip, microprocessador com o tamanho de um confete, está causando o rebu pós-moderno, com a tecnologia programando cada vez mais o dia-a-dia.

2. Na economia, ele passeia pela ávida sociedade de consumo, agora na fase do consumo personalizado, que tenta a sedução do indivíduo isolado até arrebanhá-lo para sua moral hedonista - os valores calcados no prazer de usar bens e serviços. A fábrica, suja, feia, foi o templo moderno; o shopping, feérico em luzes e cores, é o altar pós-moderno.

3. Mas foi na arte que o fantasma pós-moderno, ainda nos anos 50, começou a correr o mundo. Da arquitetura ele pulou para a pintura e a escultura, daí para o romance e o resto, sempre satírico, pasticheiro e sem esperança. Os modernistas (vejam Picasso) complicaram a arte por levá-la demasiado a sério. Os pós-modernistas querem rir levianamente de tudo.

4. Enfim, o pós-modernismo ameaça encarnar hoje estilos de vida e de filosofia nos quais viceja uma idéia tida como arqui-sinistra: o niilismo, o nada, o vazio, a ausência de valores e de sentido para a vida. Mortos Deus e os grandes ideais do passado, o homem moderno valorizou a Arte, a História, o Desenvolvimento, a Consciência Social para se salvar. Dando adeus a essas ilusões, o homem pós-moderno já sabe que não existe Céu nem sentido para a História, e assim se entrega ao presente e ao prazer, ao consumo e ao individualismo. E aqui você pode escolher entre ser:

a) a criança radiosa - o indivíduo desenvolto, sedutor, hedonista integrado à tecnologia, narcisista com identidade móvel, flutuante, liberado sexualmente, conforme o incensam Lipovestsky, Fiedler e Toffler, alegres gurus que vamos visitar logo mais;

b) o andróide melancólico - o consumidor programado e sem história, indiferente, átomo estatístico na massa, boneco da tecnociência, segundo o abominam Nietzsche e Baudrillard, Lyotard, profetas do apocalipse cujo evangelho também vamos escutar.

Assim, tecnociência, consumo personalizado, arte e filosofia em torno de um homem emergente ou decadente são os campos onde o fantasma pós-moderno pode ser surpreendido. Ele ainda está bastante nebuloso, mas uma coisa é certa: o pós-modernismo é coisa típica das sociedades pós-industriais baseadas na Informação - EUA, Japão e centros europeus. A rigor nada tem a ver com o Brasil, embora já se assista a um trailer desse filme por aqui.


O computador, a televisão simulou um espaço hiper-real, espetacular, que excita e alegra como um acrobata. O hiper-real simulado nos fascina porque é o real intensificado na cor, na forma, no tamanho, nas suas propriedades. É um quase sonho. Vejo um close do iogurte Danone em revistas ou na TV. Sua superfície é enorme, lustrosa, sedutora, tátil - dá água na boca. O Danone verdadeiro é um alimento mixuruca, mas seu simulacro hiper-realizado amplifica, satura sua realidade. Com isso, somos levados a exagerar nossas expectativas e modelamos nossa sensibilidade por imagens sedutoras.

O ambiente pós-moderno significa basicamente isso: entre nós e o mundo estão os meios tecnológicos de comunicação, ou seja, de simulação. Eles não nos informam sobre o mundo; eles o refazem à sua maneira, hiper-realizam o mundo, transformando-o num espetáculo. Uma reportagem a cores sobre os retirantes do Nordeste deve primeiro nos seduzir e fascinar para depois nos indignar. Caso contrário, mudamos de canal. Não reagimos fora do espetáculo.

(D)escobriu-se há alguns anos, com a Lingüística, a Antropologia, a Psicanálise, que, para o homem, não há pensamento, nem mundo (nem mesmo homem), sem linguagem, sem algum de Representação. Mais: a linguagem dos meios de comunicação dá forma tanto ao nosso mundo (referente, objeto), quanto ao nosso pensamento (referência, sujeito). Para serem alguma coisa, sujeito e objeto passam ambos pelo signo. A pós-modernidade é também uma Semiurgia, um mundo super-recriado pelos signos.
Quando nosso urbanóide, na fabulazinha, se sente irreal, o ego e o mundo surgindo-lhe vagos como um fantasma, é porque ele manipula cada vez mais signos em vez de coisas. Sua sensibilidade é frágil, sua identidade, evanescente. Na pós-modernidade, matéria e espírito se esfumam em imagens, em dígitos num fluxo acelerado. A isso os filósofos estão chamando de desreferencialização do real e dessubstancialização do sujeito, ou seja, o referente (a realidade) se degrada em fantasmagoria e o sujeito (o indivíduo) perde a substância anterior, sente-se vazio.
Há exemplos chocantes disso. Quanto ao referente: compra-se um Monza não tanto por suas qualidades técnicas, mas por seu design, seu nome nobre, seus signos na publicidade, que compõem uma imagem de status e bom gosto europeizados. Compra-se um discurso sobre o Monza. Quanto ao sujeito: a falta desubstância está na extrema diferenciação que as pessoas procuram através da moda, personalizando-se pela aparência e o narcisismo levado à extravagância; ou então, imitando modelos exóticos......

............ Sublinhamos até aqui palavras que são verdadeiras senhas para invocar o fantasma pós-moderno: chip, saturação, sedução, niilismo, simulacro, hiper-real, digital, desreferencialização, etc. Dificilmente elas serviriam para descrever o mundo de 30 ou 40 anos atrás, o mundo moderno, quando se falava em energia, máquina, produção, proletariado, revolução, sentido, autenticidade. Mas se a pós-modernidade significa mudanças com relação à modernidade, o fato é que não se pode dispensar o aço, a fábrica, o automóvel, a arquitetura funcional, a luz elétrica - conquistas associadas ao modernismo. Assim, no fundo, o pós-modernismo é um fantasma que passeia por castelos modernos.

Mas as relações entre os dois são ambíguas. Há mais diferenças que semelhanças, menos prolongamentos que rupturas. O individualismo atual nasceu com o modernismo, mas o seu exagero narcisista é um acréscimo pós-moderno. Um, filho da civilização industrial, mobilizava as massas para a luta política; o outro, florescente na sociedade pós-industrial, dedica-se à minorias sexuais, raciais, culturais, atuando na micrologia do cotidiano.
Por ora, contentemo-nos com saber que pós contém um des - um princípio esvaziador, diluidor. O pós-modernismo desenche, desfaz princípios, regras, valores, práticas, realidades. A des-referencialização do real e a des-referencialização do real e a des-substancialização do sujeito, motivadas pela saturação do cotidiano pelos signos, foram os primeiros exemplos. Muitos outros virão.
Entendamos ainda que o pós-modernismo é um ecletismo, isto é, mistura várias tendências e estilos sob o mesmo nome. Ele não tem unidade; é aberto, plural e muda de aspecto se passamos da tecnociência para as artes plásticas, da sociedade para a filosofia. Inacabado, sem definição precisa, eis por que as melhores cabeças estão se batendo para saber se a "condição pós-moderna" __ mescla de purpurina com circuito integrado - é decadência fatal ou renascimento hesitante, agonia ou êxtase. Ambiente? Estilo? Modismo? Charme? Para dor dos corações dogmáticos, o pós-modernismo por enquanto flutua no indecidível. 

........., depois que a matéria se desintegrou em energia (boom ) e esta agora se sublima em informação (bit ), assistimos na sociedade pós-industrial àdesmaterialização da economia. O mundo se pulveriza em signos, o planeta é uma rede pensante, enquanto o sujeito fica um nó de células nervosas a processarmensagens fragmentárias. Eis por que falamos há pouco em desreferencialização do real e dessubstancialização do sujeito. O que foi processado em bit (real) é difundido em blip -_ pontos, retalhos, fragmentos de informações (para o sujeito). O indivíduo na condição pós-moderna é um sujeito blip, alguém submetido a um bombardeio maciço e aleatório de informações parcelares, que nunca formam um todo, e com importantes efeitos culturais, sociais e políticos. Pois a vida no ambiente pós-moderno é um show constante de estímulos desconexos onde as vedetes são o design, a moda, a publicidade, os meios de comunicação.
Projetando formas atraentes, embalagens apelativas, o design estetiza (embeleza) o cotidiano saturado por objetos. Eles viram informação estética com suas cores, suas superfícies lisas, suas linhas aerodinâmicas, e são verdadeiras iscas de sedução. Vai-se ao hipermercado, onde a mercadoria é o espetáculo, para passear, e comprar __ gesto banal __ torna-se um jogo de gratificação. A moda e a publicidade, por sua vez, têm por missão erotizar o dia-a-dia com fantasias e desejos de posse. Uma carga erótica deve envolver por igual pessoas e objetos para impactar o social, sugerindo ao indivíduo isolado um ideal de consumo personalizado, ao massagear seu narcisismo. A comunicação, desde as FM até os videoclips, agita-se para mantê-lo o tempo todo ligado, na base do "não se reprima".


Saturação da informação e pós modernismo

As sociedades pós-industriais vivem saturadas pela informação. Vai-se ao consumo pela informação publicitária, consome-se informação no design, na embalagem, devora-se informação nos mass media e na parafernália ofertada pela tecnociência (micro, vídeo, etc.). O sujeito se converte assim num terminal de informação. Mas um terminal isolado de outros terminais, pois as mensagens não se destinam a um público reunido, mas a um público disperso (cada um em sua casa, seu carro, seu micro). Eis por que a massa pós-moderna é atomizada (ultrafragmentada). Enquanto a massa moderna era um bloco movido por interesses de classe e por idéias, na pós-modernidade ela é uma nebulosa de indivíduos atomizados, recebendo informação em separado. Ora, para motivar e controlar sujeitos atomizados, a autoridade e a polícia são secundárias. Basta bombardeá-los com mensagens que excitem seus desejos.

Agora vamos ao como. De qualquer maneira o consumo, os mass media e a tecnociência modelam, motivam e controlam a nebulosa pós-moderna pelo bombardeio informacional? As mensagens são lançadas ao acaso, mas não são boladas de qualquer jeito. Não apenas representando o real, mas sendo hoje o real, as mensagens são criadas visando à espetacularização da vida, à simulação do real e à sedução do sujeito. Assim os compreende o sociólogo francês Jean Baudrillard.

A espetacularização converte a vida em um show contínuo e as pessoas em espectadores permanentes. Antigamente os espetáculos - paradas, festas, jogos - eram ocasionais e à parte. Agora, a começar pela arquitetura monumental, eles reinam em pleno cotidiano. TV, vitrines, revistas, moda, ruas, na sociedade de consumo, geram um fluxo espetacular cuja função é embelezar e magnificar o dia-a-dia pelas cores e formas envolventes, o tamanho e o movimento de impacto. Tudo fica "incrível", "fantástico", "sensacional".







O espectador é o que vê, mas também o que espera por novas imagens atraentes e fragmentárias para consumir. Ele se acha mergulhado na cultura blip - cultura do fragmento informacional, cintilações no vídeo. Assim, por um lado a espetacularização motiva e controla a nebulosa de espectadores mantendo-a continuamente à espera de novas imagens, bens e serviços; por outro, pela estetização, glamuriza e alivia a banalidade cotidiana. Procuramos nas ruas, nos rostos, o farto colorido das revistas e da TV.

A essa altura, inteligente, o leitor deve estar pensando: mas o ambiente pós-moderno é pura ilusão! Quase. Empresas e tecnocratas levam uma grana alta! Levam. É puro trambique e mistificação em cima de gente alienada! Seria. Para que fosse, seria preciso explicar um detalhe desagradável: a adesão maciça dos indivíduos ao consumo. E não quaisquer indivíduos, mas gente escolarizada, bem-informada, pagando altos impostos. Não dá para chamá-los de alienados porque, como vimos nas várias deserções, eles não querem o poder. Querem espetáculos e bons serviços. E, repetindo, sabem que no frigir dos ovos terão de trabalhar sem estar no poder em qualquer regime, dada a complexidade das sociedades atuais. O problema é outro. A riqueza pós-industrial é em grande parte financiada pelos países em desenvolvimento, pois o capitalismo avançado se fez multinacional. Vem para cá a indústria pesada e suja (aço, automóveis), ficam lá as leves e limpas (eletrônica, comunicações). Seu controle social pode ser soft (bando, pela sedução), mas o nosso tem de ser hard (moderno, duro, policial, na base do cassetete).




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