Maio 1968 e as artes plásticas
Por Almandrade
A década de 1960 é marcada pela velocidade das vanguardas artísticas, que tem Nova Yorque como capital cultural do século XX. Dentre as manifestações artísticas como Minimalismo, Op Arte, Arte Cinética, Novo Realismo e Tropicália, a Pop Arte surgida na Inglaterra, mas apropriada e difundida pelos norte americanos foi a vanguarda mais decisiva da década. Sem programa preestabelecido, sem manifesto, utilizando-se do repertório do cotidiano do consumo e da cultura de massa, foi rapidamente transformada em tendência internacional. Isso mostrou o poder cultural dos americanos.
Maio de 1968 foi a explosão do espetáculo e o encerramento de uma década turbulenta, de muitas mudanças, da tomada de consciência dos desastres do século XX: a violência, a guerra, os campos de concentração, a bomba atômica. O progresso tecnológico sem levar em consideração os direitos humanos, enfim o desenvolvimento à serviço da destruição. O imperialismo e a ditadura da sociedade de consumo. Jean Luc Godard, em 1967 realiza A Chinesa, um filme político sem desprezar a experiência estética, onde um grupo de estudantes parisienses revoltados com o imperialismo brinca de fazer a revolução. Uma antecipação da organização dos estudantes, com muitas dúvidas e incertezas, em maio do ano seguinte.
O desafio aos policias e os protestos dos estudantes nas ruas de Paris foi um marco que desencadeou movimentos de contestação, em vários Países, revoltas e guerrilhas urbanas. Estudantes, artistas e intelectuais ocupam as ruas, fazem passeatas. A contra cultura, a revolução cultural. Os artistas plásticos abandonam os museus, as galerias, saem da solidão dos ateliês e se misturam na multidão. É a poética do gesto, da ação, da coletividade, a utopia da arte / vida como participação do espectador na realização da obra de arte. No Brasil a Tropicália de Hélio Oiticica, foi uma das manifestações mais polêmicas, ao lado de Terra em Transe filme experimental barroco de Glauber Rocha e a peça O Rei da Vela de Oswald de Andrade, dirigida por José Celso Martinez.
Na arte, é o momento da transição da vanguarda para a contemporaneidade. O atestado de óbito da Modernidade. Os procedimentos da arte passaram dos polêmicos questionamentos dos suportes tradicionais para o fim do suporte como elemento essencial da obra de arte. É o momento da arte conceitual que dominou na década seguinte. Uma arte mais fria, cerebral, menos engajada, voltada para interrogar sua própria natureza. Uma manifestação que aconteceu em vários Países, quase ao mesmo tempo, inclusive no Brasil.
É a década dos Happenings, surgidos com a Pop arte, uma espécie de teatro instantâneo, uma mistura de artes visuais, música e dança, que convida o espectador a participar da obra ou da ação, uma forma de tirar-lo da passividade fazendo-o reagir à provocação do artista e do cotidiano político social. Para Jean Jacques Lebel, autor de vários happenings em Paris: “Nosso primeiro objetivo é transformar em poesia a linguagem que a sociedade de exploração reduziu ao comércio e ao absurdo.” Artistas rebeldes, engajados, inconformados com a comercialização e exploração da arte e contra as outras formas de opressão da sociedade. No Brasil, os Happenings realizados em espaços públicos das trocas coletivas, foram uma forma utilizada pelos artistas de vanguarda para chamar a tenção da população do que estava acontecendo nas prisões. Manifestações muitas vezes interditadas pela polícia.
Os agitados anos de 1960 transformaram a imagem das cidades. Em 68, aparecem as primeiras manifestações de grafites nos muros de Paris, uma nova forma de intervenção urbana. Nas palavras do teórico francês Jean Baudrillard: “...um novo tipo de intervenção na cidade, não mais como lugar do poder econômico e político, mas sim como espaço / tempo do poder terrorista dos mídia, dos signos e da cultura dominante.” Grafítis anônimos paralelo aos happenings dos artistas. Uma geração de artistas e críticos toma consciência sobre o estado em que se encontra a civilização a sociedade e os regimes políticos e se colocam diante de uma abordagem mais crítica e de certa forma subversiva. O artista assume o papel de revolucionário e faz de sua arte um instrumento à disposição da revolução social. Fazer arte era fazer política. Ação e estética faziam parte das intenções do artista.
Verifica-se no cenário internacional das artes plásticas, já no começo da década de 1960 o abandono das linguagens abstratas, geométrica e gestual, e retorno da figura, ou melhor, uma apropriação da figura como fez a Pop Arte com as imagens divulgadas pelos mídia transformando-as em naturezas mortas da sociedade de consumo. No fenômeno da nova figuração o que interessa é o significado da imagem e não uma forma representativa. Uma imagem mais alusiva, grotesca e provocativa. A estética do mau gosto desafiando uma sociedade do bom gosto, industrial e politicamente “correta”.
A obra do artista plástico carioca Rubens Gerchman, representa bem esse momento na arte brasileira. Muitas das propostas artísticas da vanguarda brasileira que se desenvolveram entre 1964 e 68 estavam comprometidas em dar respostas ao golpe militar. A nova linguagem figurativa dialogava de forma mais direta com a realidade político social. Em paralelo a uma arte de denúncias, bastante difundida pelos militantes políticos, surgiram outras manifestações de arte coletiva abertas à participação do espectador como as propostas de Hélio Oiticica e os Domingos da Criação organizados por Frederíco Morais. Em 1968 no Salão de Brasília, o Porco Empalhado de Nelson Leirner, artista paulista integrante do Grupo Rex, não era apenas o questionamento da instituição arte, interrogava as outras instituições da sociedade, naquele contexto político.
A experiência francesa foi palco onde os ideais e as paixões acumuladas explodiram e deu início a uma revolução que mudou a história do século XX. A guerrilha se espalhou pela América Latina, reivindicações de todas as partes e de todos os tipos, liberdade sexual, racial. Nos EUA, os estudantes revoltados com a cruel possibilidade de morrer na guerra do Vietnã, protestaram. No Brasil estudantes em passeata enfrentam a repressão militar, em abril de 1968, a polícia mata o estudante secundarista Edson Luiz no Rio de Janeiro e em dezembro o golpe mortal do governo militar, o Ato Institucional Nº. 5. O auge da repressão. Ninguém mais se sentia seguro. A arte foi proibida na rua, exposições fechadas, como a Bienal Nacional em Salvador e artistas presos ou vivendo na clandestinidade ou no exílio. Fecharam-se as cortinas e o espetáculo passou a ser encenado na obscuridade.
Almandrade é artista plástico, poeta e arquiteto
Fonte: http://cd-artes.blog.uol.com.br/
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